Ao ser inquirido sobre do que trata “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain”, respondi: - Não sei responder. Não é sobre amor, nem tragédia, não é uma comédia, nem uma ficção científica. Depois emendei: - Ou ele toca, ou não toca. É importante dizer que para assisti-lo você deve ser capaz de se encantar com a vida. Não tô falando do maravilhoso universo, nada de muito grande, descomunal. Pode ser o encanto por esse momento em que nós dois estamos aqui numa parada de ônibus conversando bobagens.
Certa vez, um amigo disse-me não saber o porquê desse filme ser tão bom, em verdade, achava-o bem chato. Já outro, que a beleza dele residia em sua fotografia, pois a história era meio sem graça, segundo ouvira dizer. O que vou afirmar daqui pra frente não significa um olhar melhor que o deles. Apenas, e somente apenas, que temos visões diferentes do mundo. Não é demagogia. Já ouvi artistas afirmando que jamais anteciparam as interpretações que foram dadas aos seus trabalhos. O que não tira a importância do significado que vai sendo construído por nós. Intuo que esse seja o sonho de qualquer artista: que suas criações sejam capazes de ter vida própria, de adaptar-se às necessidades de cada um ao entrar em contato com elas.
Bom, não acredito que o autor tenha feito um trabalho tão primoroso só para mostrar que é capaz de nos deixar em êxtase através das cores, plasticidade e recortes. Aliás, se for mesmo só isso, já sou fã dele. Porém, vi mais que isso… Eu diria que costumamos atribuir aos acontecimentos um valor superior ao que realmente possuem, numa tentativa de fazer um mapa simbólico que nos permita voltar no tempo e nos encontrar. O nosso sentimento de “existir” está associado à percepção desse mapa simbólico que vamos construindo no espaço-tempo. Por isso dizemos que caía uma chuva torrencial quando nascemos, por isso fazemos festas de aniversário e formatura, por isso ritualizamos o deflorar da virgindade. Mas, para além das construções simbólicas, há os acontecimentos em si. E, só por existirem, é mágico! Por que só a aurora boreal ou uma flor abrindo são mágicos? Por que somente a nossa inteligência ou a dimensão do infinito são dignos de admiração? Num milésimo de segundo incontáveis coisas mágicas estão acontecendo, cada uma em seu microcosmo, sem ser alcançado por nossa percepção simbólica. Perceber a magia dessas trivialidades causa um transe contemplativo tão grande que só a Amélie conseguiria explicar.
Há um ditado que diz: “De perto, ninguém é normal”. De fato! Prestem atenção nos seus gostos e desgostos. Alguns colecionam garrafas coloridas, outros gostam de cheirar a comida ou a cera do ouvido. Eu já tive dois ou três tics, meu irmão tem toc. Quem de vocês é normal? Contudo, isso impede que possamos viver e amar as anormalidades uns dos outros?
Todos nós temos medos e anseios. Todos mesmos, sem exceção! Ainda assim podemos ir encontrando pequenas alegrias, motivos ínfimos para “ir vivendo”. Não precisamos nos preocupar com o medo, sempre haverá alguém para ajudar a lidar com ele; para alguns, Deus, para outros, os amigos, e outros ainda têm a si mesmos.
Para tudo isso, basta ir indo, vivendo e vendo.
Essas percepções foram a minha ritualização para gravar aquele filme em minha história. Caso contrário, seria apenas alguns minutos de existência mal aproveitados. E isso eu não admito.
Então pergunto: e você, o que verá?
Então pergunto: e você, o que verá?
PS: Um dia depois de escrever essas percepções, li o texto “A respiração consciente torna tudo real” (http://goo.gl/f3LaH6) do monge zen vietnamita Thich Nhat Hanh. Para mim, há um belo diálogo entre ele e o filme. Vale a pena conferir.
Por Francisco Maurício.
Em 03 de dezembro de 2013.
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