segunda-feira, 18 de agosto de 2014

O leve fardo do amor

Não é difícil encontrar religiões, seitas, profissionais e pessoas que acreditam ter a fórmula para o alívio de nossos fardos. Acredito que alguns caminhos até são possíveis; o problema são os mediadores: transitando entre a miopia e a ganância, nos impõem suas lentes embaçadas. Quer ficar rico? Venda o impossível!
Devo ter dito certa vez que a minha religião é o amor pelas pessoas. Sim, tenho meu pé junto ao de Maria, Buda e de outros Espíritos, mas minha busca por apoio e proteção destes não teria sentido se não fosse para viver melhor com esses loucos: os humanos.
Tem sido na convivência colada, conflituosa, fugidia e também gostosa com cada um deles que vejo se alterarem meus conceitos sobre bom e ruim; recompensa e castigo; “magia” e “trivial”; fé; gratidão; perdão...
Uma das percepções em curso de novas acomodações é sobre a responsabilidade de amar. Penso que o amor – de qualquer espécie, deva sim nos deixar mais leves, seja no dar ou receber. Mas vejam: até uma pluma tem seu peso.
Embora amar seja uma abstração, seu peso comprime nosso corpo: alguns o estômago, outros o coração. Esse fardo se faz sentir na expectativa de receber e, principalmente, no não receber. Talvez por isso os sábios peçam que ponhamos toda a nossa energia no dar de si. Se as estrelas passassem pelos nossos dilemas, talvez nossas noites fossem menos deslumbrantes. Que bom que elas apenas brilham.
Mesmo quem ame somente a si, amanhece com a responsabilidade de carregar e cuidar do próprio corpo. Mães que amam tem que suportar ingratidão de filhos, mulheres que amam tem que aprender a lidar com machismo e outras violências. Na esteira: homossexuais, idosos, crianças, jovens apaixonadas, eu, você... Para todos nós, amar dói, pesa de alguma forma. É um aprendizado para toda a vida.
Talvez tenha sido isso que o Cristo tanto tentou ensinar com aquele papo de “meu jugo é leve”. O Cara sacava muito sobre perdoar sempre e amar sem reservas. Talvez fosse isso que ele queria dizer: "tome o meu jugo, ele é leve, tem o peso do amor!"

quinta-feira, 10 de abril de 2014

A menina da bolsa amarela - A origem =D

Aproveitando o ensejo do post anterior (lembranças de outrora) sempre que me perguntam o porquê do nome do blog, digo que remete à uma historinha que li lá pela quarta ou quinta série. Era um conto. Queria tanto reencontrar aquele livro =/... Lembro que nas bordas da história havia uma menina arrastando uma bolsa amarela, deixando um rastro das milhares de coisas que ela guardava lá dentro.
E esse blog é meio que minha bolsa amarela; um quartinho da minha mente; onde quinquilharias de um velho antiquário segue dividindo espaço com coisas novas que vão chegando: minhas e dos outros...
Hoje sei que a história é um livro da escritora Lygia Bojunga (deixo o link logo abaixo com um resumo para quem se interessar). E possível que esse conto seja um trecho do livro. Fiz aqui uma rápida pesquisa e ele parecido ter tido sua primeira publicação em 1976. Enfim, fica a dica!

http://www.infoescola.com/livros/a-bolsa-amarela/

O dia em que os jacarés invadiram Nova York

Estou estudando Antropologia e tentando entender como chegamos até aqui...
Então me veio à mente esse conto que eu amava quando adolescente.
Não cheguei a nenhuma conclusão (é possível? rss).
Bem, sempre achei fascinante esse ciclo infinito proposto no conto. No final das contas, não é o mesmo dilema que vivemos: criamos Deus para ele nos criar? Ou o contrário? rss

Deu no jornal: experiências genéticas produziram minúsculos jacarés que foram vendidos aos milhares em Nova York como brinquedo. Mas eram ferozes como seus ancestrais e os pais, receosos de que os filhos fossem mordidos, despejaram os jacarezinhos nos vasos sanitários e puxaram a descarga. Foi um erro fatal: centenas de jacarés sobreviveram e fizeram dos esgotos da cidade seu hábitat. E lá, durante anos, se reproduziram. E cada geração – sabe-se lá os insondáveis mistérios da genética – aumentava de tamanho, acabando por produzir espécies muito maiores que os crocodilos do nilo. Quando as autoridades deram pela coisa era tarde. Pelas saídas do metrô, pelas galerias de esgotos, pelo rio Hudson, milhões de jacarés gigantesco ganharam as ruas num ataque de surpresa e comeram a maior parte da população. Mais espantoso ainda os jacarés assimilavam a personalidade daqueles que devoravam. De modo que a estrutura da cidade não se alterou muito, só que em vez de seres humanos eram jacarés que dominavam a cidade: serviços públicos, transporte, comunicação, tudo. A estátua da Liberdade foi substituída por um jacaré com um archote. Nem todos os habitantes foram comidos. Os jacarés que haviam comido os cientistas especializados em genética começaram a fazer experiências com suas cobaias humanas. Até que conseguiram reproduzir em laboratório homenzinhos com 20 centímetros de altura, que foram vendidos como brinquedos para os filhotes de jacarés. Mas os minúsculos seres não haviam perdido a ferocidade de seus ancestrais e começaram a hostilizar seus donos com lanças improvisadas. Os jacarés, com receio que seus filhotes se machucassem, pegaram os homenzinhos e os despejaram nos vasos sanitários. E puxaram a descarga. Foi um erro fatal para os jacarés.
Jaguar. In: Contos Jovens (1974)

terça-feira, 8 de abril de 2014

Arco-íris de concreto

Certa vez, uma criança resolveu partir numa jornada ao topo de uma longínqua montanha. Lá, havia uma luz brilhante. Todas as pessoas que conhecia havia partido para buscá-la. E nunca voltavam. A criança tinha medo, mas ficar onde estava não era uma opção. Uma lenda dizia que se não fosse, morreria. Ela partiu. No caminho, encontrou os rastros coloridos de algumas pessoas. Outros, subitamente sumiam no ar. Também havia construções: pontes, trampolins, escadas, contudo, nada que a coubesse. Decidiu usar o que já tinha visto como referência e foi construindo suas próprias pontes a cada abismo que encontrava. Fazia uns ajustes aqui, outros ali. Fez alguns maiores para facilitar a jornada dos outros que viriam depois dela. Até que um dia chegou à luz. Para sua surpresa, já estava bastante velha. E a luz, nada mais era que uma rede "preguiçosa" com uma inscrição bem grande em cima: DESCANSE EM PAZ. A única coisa que precisava para deitar naquele trono glorioso era mostrar o seu rastro. Grande foi a sua surpresa quando descobriu que não tinha construído o seu. Na verdade, adormecera e fora carregada por alguns outros "bondosos". Ah, se eles soubessem... Teriam acordado-a. Tudo o que viu e construiu não passava de sonhos. Só lhe restou deitar no chão e lamentar-se até apagar...



Na aula de Ciência Política, alguém quis saber porque os filósofos gregos buscavam tanto um fim último para a nossa existência? Ora, apenas existimos. Conjecturou-se.
Preocupado com a possibilidade de instalar uma crise existencial em seus alunos, o professor aconselhou: é importante que vocês tenham um projeto de vida.
Na outra aula descobrimos que o fim último de nossa existência, para os cabeções da Grécia Antiga, era a felicidade.
A questão do "projeto de vida" já é algo que preocupa até o Estado. Há oficinas disso.
Por outro lado, há quem argumente que nossas crianças são educadas para o sucesso na academia, no trabalho, mas não para a felicidade. Também concordo. O ensino nas escolas, faculdades, cursos profissionalizantes são cumulativos e extremamente tecnicistas (essa é só uma deixa para defender o ensino de Ciências Sociais e Filosofia nas escolas. rss). 
Até parece que ter uma carreira e acumular riquezas seja o ideal de felicidade para todo o mundo. 
É o que o capitalismo prega, não é? Mas não vou mexer nesse vespeiro no momento.
Não sou nenhum hippie bonachão. Eu sei que o dinheiro é importante. Principalmente para quem vive em grandes cidades, dedicando-se a uma infinidades de tarefas e modos de vida que nos impediria de plantar a própria comida ou costurar folhinhas de parreira.
Contudo, a lógica da eficiência científica não toca por igual todos os "corações".
Aliás, pressinto que toca cada vez menos.
Estaríamos caminhando para um estado anômico globalizado?
Suponho que precisemos aceitar (e buscar) outros modos de vida possíveis.
Essa busca da felicidade, da ética, do bem viver, realizada pela filosofia, estudada pelas Ciências Sociais, talvez se reatualizem.
Os pais não o fazem mais. A família, a igreja, num estado secularizado não são mais referência de tradição. Vivemos uma crise de sentidos.
A indústria farmacêutica não dará conta de tantos depressivos e desnorteados.
No meu modo otimista de ser, acredito nas curvas da humanidade diante do despenhadeiro.
Por mais que a busca pela felicidade e pelo bem sejam subjetivos, creio que pluralizar os caminhos aumentam as oportunidades de os alcançar.
Falando nisso, a história, a física quântica, nossa vida particular, mostram que a pluralidade de caminhos e possibilidades é o que mais há.
Contudo, igualmente mostram que somente o escolhido é o que existe.
Por mais que você não tenha escolhido nascer, é fruto da decisão de duas pessoas que resolveram transar. Ponto final.
Logo, é importante sim que tenhamos isso em mente.
Precisamos ir construindo nossos castelos, finalizando projetos.
Não precisa ser algo na lógica capitalista. Dentro do "sistema". rs
Construir "qualquer coisa" não impede que, lá frente, decidamos construir "alguma coisa" mais substancial.
O que parece meio óbvio (tenho medo dessa palavra) é que uma vida só de sonhos e projetos inacabados não será mais do que isso: quereres nunca realizados.


quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

A influência do amor

Estou lendo "A menina que roubava livros" e me deliciando com a descrição do cheiro de seu pai adotivo, Hans Hubermann. Seu cheiro, querosene misturado com tintas e cigarros, tem o cheiro da amizade...
Esse trecho é particularmente doce e importante pra mim porque lembro do cheiro do meu pai. Eu também costumava fazer xixi (na rede, não na cama) e quando subia sorrateiramente na rede dele, seu cheiro era de cigarros misturados com bombom pipper. Essa mistura de aromas traz lembranças maravilhosas da minha infância...
Pensar nisso, leva-me a questionar que cheiros povoaria as memórias de um possível filho meu? Essa cadeia de hipertextos vai mais longe, ela puxa uma questão crucial para mim: a possibilidade de ter uma família.
Um parêntese:
(Meus amigos mais próximos sabem que sou homossexual. Digo isso para contextualizar a patente dificuldade que enfrentamos nesse tocante: o direito de ser pai/mãe. Puxo essas questões porque gosto de politizar as pessoas, levá-las a buscar novas ideias. Sou um ser político, preocupo-me cada vez mais com o rumo que posso dar à minha vida e a dos que estão “próximos” à mim. Quando não consigo convencer por meio de argumentos factuais, apelo para o coração. Acredito muito no poder da afetividade para a construção do conhecimento. Afinal, quem consegue penetrar corações endurecidos?).
Bem, já ouvi bons amigos dizer que aceitam a união civil de homossexuais, mas têm reservas quanto à adoção de crianças. Se preocupam com a influência sobre a sexualidade dos pequenos. Aqui, não vou entrar no complexo de édipo da psicologia, tampouco na questão genética, muito menos ainda no discurso de naturalidade das religiões cristãs. Interessa-me apenas questionar: “Por que trocar a parte pelo todo”?! Até quando pessoas homossexuais, seres altamente complexos, assim como a pessoa humana, continuarão a ser vistos a partir da dimensão sexual?
Se eu não consigo convencer que SER ou NÃO SER homossexual não é o mais importante, tento através desse texto, desse ato político, mostrar outras coisas que somos: somos seres com crises existencias, planos, sonhos. Temos medos, anseios, amor, raiva, desejos. Passamos pelos mesmos problemas que todo mundo passa. E mais, utilizamos das mesma forma todo o aprendizado repassado por nossos pais para lidar com nossos dilemas. A educação, a construção do nosso caráter, da personalidade, de nossas crenças, o projeto de vida; todas essas questões sofrem a influência de nossos pais.
Então pergunto: sendo o que somos, passando pelos mesmos processos de apropriação e aprendizagem, a única coisa que conseguiríamos influenciar em nossos filhos seria a sexualidade?

Por Francisco Maurício.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

SEM TÍTULO

Sem frases dramáticas.
Sem o pronome pessoal do caso reto impregnado de identidade.
Sem o início [apenas para fins de contexto]. Posto que tudo tem um começo!
Vivendo o meio, em busca do fim [de UM fim].
Percebe?! Mesmo sem querer, sou dramático!
Mesmo querendo ser o verbo, sou, antes de tudo, carne.
Mesmo negando o início, aqui ele está.
E assim se tece o meio: fazendo-se o caminho.
Já o fim... Esse, só se sabe que o é, quando se chega. A gente sabe.
E não é agora.

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Amo carne, mas prefiro alface

Todas, absolutamente todas as escolhas, têm influência direta para nós e para outros seres vivos. Isso é sabido.
Mas como mensurar qual o impacto dessas escolhas?
Descobri recentemente que há uma iguaria francesa chamada “foie gras” (fígado gordo), conseguida forçando-se patos e gansos a comer várias vezes ao dia antes do abatimento. Um dos métodos utilizados para essa engorda forçada é enfiar um tubo com 20 a 30 cm de comprimento no esôfago do animal e socar comida, mesmo que ele não queira. Já para obter o vitelo (ou vitela), uma carne tenra e clara, confinam-se bebês bovinos, ainda nos primeiros dias de vida, em pequenos estábulos para que não se movimentem e não enrijeçam os músculos. É uma forma de aproveitar os filhotes machos “indesejados” na indústria de laticínios. Detalhe: eles são afastados definitivamente de suas mães e passam a receber uma dieta líquida altamente calórica, em substituição ao leite materno, para que engordem rápido. Nem água eles podem beber, fazendo com que comam mesmo quando tem apenas sede!
Eu, que já ficava horrorizado ao ver minha avó girar um franguinho no ar e torcer-lhe o pescoço enquanto dizia-me “Ô dor cruel, né meu filho?”; senti arrepios quando tive conhecimento destas coisas.
Claro que há quem não sinta o menor remorso em degustar tais iguarias, porém estou certo de que uma boa parte das pessoas não comeria se soubessem dos métodos e circunstâncias em que são produzidas. Não só por suas crenças e relações de afeto com os animais, o que já é muito importante, mas também por outros fatores como o respeito à vida e as necessidades de consumo.
Continuarei a comer carne, gosto da proteína bovina, não nego. Contudo, não acho justo que eles sofram para alimentar os caprichos do meu paladar. Tampouco me interessa maximizar o lucro de produtores esganados. Deve haver um limite. E quem o estabelece são as nossas escolhas; que por sua vez, não são feitas às escuras. No processo de escolher reunimos informações objetivas, julgamentos de valor, memórias,
etc., antes de decidir sobre qualquer coisa. E isso requer tempo. Tempo para pesquisar a teia que se estabelece em torno de cada ato. Por menor que seja.
Sei, por exemplo, que na hora do abate já é possível insensibilizar o animal para que não sinta dor, nem fique angustiado antes da morte. Ou você pensa que só você tem medo dela? Então, você poderia dizer: “mas isso não é apenas trocar o mal maior por um menor?” Sim! É exatamente isso. Acredite, comer alface, também tem consequências. O problema é que a maioria de nós não está muito preocupada em despender tempo para refletir e descobrir quais são essas consequências. Quem há de querer saber dos danos causados pelo resto de óleo comestível derramado na pia? Ou o impacto da quantidade de água desperdiçada por uma torneira gotejando? Não temos tempo para essas bobagens. Há coisas mais sérias que precisam ser decididas. Não é?!
E assim seguimos...

Por Maurício Holanda
Em 16/08/2012